A Nova Física da Computação (por Ivan S. Oliveira) |
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A
física nos últimos 25 anos vem sofrendo profundas transformações,
decorrentes do desenvolvimento de novas técnicas de manipulação da matéria
em níveis molecular e atômico. Até o início da década de 1970, os
modelos microscópicos da matéria só podiam ser testados em amostras
volumétricas. Assim se desenvolveram as modernas teorias sobre o
magnetismo, a supercondutividade, os semicondutores, etc.
No campo da tecnologia, ninguém duvidará que a mais profunda
revolução veio pela computação e pelos meios de comunicação. No
entanto, a partir de meados dos anos 1970 tornou-se possível a fabricação
de estruturas “artificiais” nas quais átomos e moléculas são
manuseados individualmente. Novos materiais e uma “nova física” começaram
a surgir: super-redes, poços quânticos, pontos quânticos, filmes-finos,
são alguns dos sistemas que mais têm sido estudados no âmbito da matéria
condensada. As conseqüências tecnológicas desses estudos são
igualmente novas: propriedades metálicas, semicondutoras ou isolantes
podem ser produzidas em um único nanotubo de carbono; dispositivos eletrônicos,
como diodos e transistores, com dimensões moleculares foram testados com
sucesso em laboratório; o chamado nanomagnetismo está abrindo novas
frentes e é uma das mais importantes promessas de inovação tecnológica
nas próximas décadas. No
entanto, foi na mais básica das teorias físicas, a mecânica quântica,
onde surgiram as possibilidades mais fascinantes, tanto em termos
científicos quanto tecnológicos. Já
no início dos anos 1960, Gordon Moore, um dos fundadores da INTEL,
percebeu que o número de componentes eletrônicos nos chips dos
computadores dobrava aproximadamente a cada ano e meio. Como o volume físico
desses chips permanece o mesmo, a chamada lei de Moore implica que a
dimensão dos componentes se reduz à metade no mesmo intervalo de tempo.
Isto representa uma lei exponencial, que prevê que até o ano de 2020
cada bit de informação em um computador será representado por apenas 1
átomo! Esta
perspectiva estabeleceu uma interessante conexão entre física e computação,
pois os computadores atuais – nos quais cada bit é representado por
alguns bilhões de átomos
– são baseados nas leis da física clássica.
No nível atômico, no entanto, quem governa os fenômenos físicos
é a mecânica quântica. As
conexões entre mecânica quântica e computação começaram a ser
formalizadas no início dos anos 1980, e acabaram por originar um novo e
excitante campo de pesquisa: a
computação quântica e informação quântica. Nesta área,
estudam-se os meios pelos quais a computação e a informação podem ser
manipulados através das propriedades quânticas dos sistemas. A unidade
da informação quântica, o quantum bit,
ou qbit, pode ser
representada por diversos sistemas físicos: a polarização de fótons,
os níveis de energia de um átomo, a direção de um spin de um núcleo,
os níveis de energia de um elétron aprisionado em um poço quântico,
etc. Todos esses são
sistemas quânticos; compare-os com a representação clássica de um bit! A
computação quântica não é, como alguns podem – erroneamente –
pensar mais uma dentre muitas tentativas de substituição de uma
tecnologia (a dos semicondutores) em vias de esgotamento.
Trata-se de um novo paradigma de computação, que pode ter
(e provavelmente terá) profundas
conseqüências, não só para a tecnologia, mas também para a teoria da
informação, para a ciência da computação, e para a própria mecânica
quântica. O melhor exemplo disso é o famoso algoritmo quântico de
fatoração, o algoritmo de Shor (descoberto em 1994 pelo físico norte
ameriacano Peter Shor). O algoritmo de Shor é capaz de fatorar um número
inteiro de n bits em um tempo
polinomial em n, em
contraste com o melhor algoritmo clássico, que realiza a mesma tarefa em tempo
exponencial em n. Existem
pelo menos duas conseqüências importantes desse fato. Primeiro a tecnológica:
por ser uma tarefa difícil, a fatoração de números inteiros grandes é
a base dos sistemas criptográficos de segurança. Um computador quântico
poderia facilmente decifrar todos esses sistemas em apenas alguns minutos.
Segredos de Estado, transações financeiras, segredos militares,
etc., se tornarão públicos da noite para o dia! Segundo, em ciência da
computação: acredita-se que
não exista algoritmo clássico capaz de fatorar números grandes em tempo
polinomial em n, como o faz o
algoritmo de Shor. Portanto, computadores quânticos não podem ser
simulados eficientemente por máquinas de Turing clássicas, o que afeta
os alicerces da computação clássica! Acredita-se (ainda sem demonstração)
que muitos outros problemas da mesma classe de complexidade que o problema
da fatoração possam vir a ser resolvidos eficientemente por computadores
quânticos, e isso levará a uma revolução na computação e na matemática
pura. A
boa notícia é que vários protótipos de computadores quânticos já
foram testados com sucesso em muitos laboratórios pelo mundo, inclusive
no Brasil. No entanto, a computação quântica em larga escala permanece
um sonho, que para se tornar realidade exigirá esforço permanente,
financiamento consistente da pesquisa básica e muito tempo e dedicação
em pesquisa. Este é seguramente um preço que vale a pena ser pago.
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