E depois de privatizar...

A organização da sociedade está em constante evolução, decorrência das complexas relações e interações entre povos num determinado momento histórico. Compreender estas interações poderia ajudar governantes a tomarem decisões acertadas sobre os novos rumos da sociedade, pois afinal, os políticos de hoje escolhem o caminho para onde vamos, como os de ontem tem grande parte da responsabilidade por estarmos onde estamos. Esta compreensão é de extrema importância, visto que resoluções aparentemente "simples", tomadas pelos poderes Legislativo e Executivo tem efeitos de longo prazo podendo bloquear ou frear a total soberania de um povo. Assim o governo deve ter muita cautela neste momento, ao conduzir reformas e privatizar empresas públicas, ação em que vem se empenhando arduamente.

A recente importância dada ao capital em prol da sociedade do bem estar social tem deixado marcas profundas na nossa história. Marcas estas que só serão entendidas a longo prazo. O capital é sem dúvida um elemento ponderador em um sistema onde se relacionam organizações e/ou indivíduos, agindo como uma espécie de "combustível" na interação entre os componentes do sistema. A necessidade, imposta pela nossa sociedade, da participação no fluxo de capital força à transformação das pessoas e das empresas, ambos procurando o melhor ponto de equilíbrio entre elas. Durante esta transformação, observamos a evolução da sociedade que vai se tornando cada vez mais dinâmica. Na verdade, atingir o ponto de equilíbrio significa a garantia de poder suportar um novo período de transição e de novas exigências. A tendência desta transformação é o acúmulo do capital na mão dos setores mais competitivos e bem preparados, como conseqüência de um processo de otimização do binômio Produção & Mercado. Na prática, este processo de transformação pode ser resumido ao que mais se escuta atualmente: "- Podemos fazer melhor e com menos gente...". O objetivo é efetivamente ser mais produtivo, maximizando a Produção em função do Mercado, consequentemente fazendo crescer a economia e absorvendo a mão-de-obra mais bem preparada. Entretanto, se as empresas fazem mais com menos gente logo a economia precisa ganhar dinamismo suficiente para continuar gerando empregos em ritmo adequado. A reorganização da Produção em função do Mercado pode explicar os atuais índices de desemprego dos países, visto que tal processo deixa de lado aspectos importantes da organização social, numa época em que existe um significativo aumento do fluxo de capital entre os países.

Todo este processo de transformação atual deixa para o mercado aspectos importantes de uma Organização Social correta. Durante o período de transição do processo não se discute para onde vão aqueles que são excluídos do sistema, e principalmente dos custos finais para mante-los às margens da sociedade (fenômeno este bem conhecido no Brasil moderno, onde a massa de excluídos é tão significativa e gera problemas sociais monstruosos e de difícil solução). Devemos atentar para o fato de que tal otimização do binômio Produção & Mercado, promove sem dúvida uma revolução nas organizações (empresas, pessoas, blocos econômicos, etc.) e até no aumento do fluxo de capital, mas não promove (ou não prevê) em nenhum momento a busca pelo equilíbrio social. Na verdade o preço de tal equilíbrio não pode e não é quantificado precisamente a partir do mercado e logo o bem estar-social não participa deste processo de otimização. O bem estar social é na realidade fruto do amadurecimento da sociedade como um todo e de seus principais valores morais. Não podemos, por exemplo, atribuir valores financeiros precisos a qualidade de vida e a segurança de nosso futuro, porém estes são fatores importantes na busca de uma sociedade equilibrada e justa.

No caso do Brasil, construímos um país com graves problemas sociais onde impera o oportunismo, o corporativismo e sobretudo a falta de confiança no Governo (Estado), porém não existe no mundo atual país de destaque econômico/social sem poder público de credibilidade. Infelizmente, no Brasil, mesmo se as reformas fossem iniciadas imediatamente tais problemas passariam ainda por várias gerações para serem efetivamente corrigidos. É evidente que o Estado brasileiro necessita resolver os problemas sociais e garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente de sua renda, aos serviços básicos da sociedade. Aliás dentre estes problemas, devo destacar a educação, com sua baixa qualidade, como sendo, provavelmente o mais sério entrave para a construção de uma sociedade equilibrada e forte. Uma educação sadia e responsável custa caro para a sociedade e deveria ser paga com o esforço de todos. Problemas como o da educação existem também em outros setores devido a recorrente insensatez dos governantes em realmente atacar a raiz do problema. Investimentos significativos em educação apresentam resultados somente à longo prazo e logo são geralmente descartados na política brasileira moderna. A falta de vontade em liquidar estes problemas implica em despesas desnecessárias, provenientes da baixa qualidade do que se faz ou do que se produz, efeito contrário as exigências atuais da própria sociedade competitiva. É importante lembrar que o indivíduo é a maior riqueza de um povo. A riqueza vem da criatividade e da inteligência das pessoas, tendo a escola o papel fundamental de possibilitar que elas floresçam em cada um. Logo privatizar pode ser uma solução, porém não podemos esquecer que vários outros fatores nascem de uma boa educação ou preparação do povo. Cabe lembrar que empresa privada não é sinônimo de eficiência e nem de competência. O acesso à uma boa educação é um fator de extrema importância para alcançarmos as características principais exigidas pela sociedade moderna. Já quando observamos unicamente do ponto de vista do binômio Produção e Mercado o que aparece como importante para fazer evoluir o sistema é competição, mercado livre e mecanismos (leis) de regulação.

Talvez nós brasileiros, que ainda procuramos uma identidade de Nação e que sempre fomos levados pelas mudanças, consigamos através do capital nos adaptarmos aos rumos globais mais rapidamente e quem sabe posteriormente ajudarmos até mesmo a definir estes rumos. Desta forma um maior dinamismo e uma maior cobrança incentivada pela participação do capital nos poderá ajudar a corrigir a curto prazo alguns dos graves problemas brasileiros. Vamos poder, enfim, exigir qualidade nos serviços que desejamos (caso contrário "compramos" no concorrente), porém também teremos que ser úteis ao mercado senão estaremos fora do sistema. As empresas de todos os países estarão em competição, elas serão obrigadas a lutar pelo mercado e a renunciar a alguns privilégios pois de outra forma estarão condenadas a desaparecem. Entretanto, como todos os países que participam da globalização, não podemos ignorar que a longo prazo corremos o risco de realmente ficarmos de fora, desta vez a nível de nação, no processo evolutivo da sociedade Empresarial Globalizada. Com a globalização não será a cultura deste ou daquele país que irá se impor, mas sim uma cultura global. Estaríamos então, a longo prazo, destruindo nossa própria cultura? Ou estaríamos quem sabe, fundindo raízes culturais ponderadas economicamente na criação de "países" baseados em empresas? Esta divisão seria talvez concretizada como o Mundo dos Integrados e o Mundo dos Excluídos. Uma coisa é certa a globalização é dado concreto na economia mundial. Resta saber se somos nós que vamos fazer os nossos ajustes ou se vamos estar mais uma vez a reboque dos acontecimentos mundiais, e desta vez puxados por interesses empresariais intranacionais.

Enfim, acredito que queremos um país participante na economia mundial, um Estado trabalhando na integração social e uma sociedade livre e dinâmica, e com isto alcançar o bem estar do nosso povo. A transição já começou há anos e certamente ainda estamos tentando acertar seu rumo. Durante estes ajuste existem diversos pontos de equilíbrio, pontos de acomodação entre Produção & Mercado. Entretanto, é fundamental estabelecer regras para preservar o Homem, fazendo participar do "jogo" o bem-estar-social. Este processo não é racional e não é fácil encontrar aquele ponto que pode dar conforto, segurança e bem estar a todos, porem não existe justificativa de não tentarmos.

Prof. M. P. de Albuquerque, Ph.D.
Tecnologista Senior - MCT/CBPF


Artigo Data:Mar-1997